terça-feira, 8 de junho de 2010

Filosofia de Emilia: A vida é um pisca-pisca!

Monteiro Lobato foi um homem notável. Inteligente, perspicaz, advogado, editor, escritor, desenhista, crítico e nacionalista. Um nacionalismo ferrenho, que chegou a lhe custar a prisão. Preso por patriotismo! Um eterno inconformado. Não do tipo que apenas reclama, mas que luta, indignado, pela transformação. Um amante dos livros, um sabedor do universo infantil, um desbravador de nossa literatura para crianças. “Um país se faz de homens e livros”, por isso escrevia, em especial,  para as crianças, alimentando de fantasia, aventura e liberdade as inteligências espertas desses homens do amanhã.

É sempre motivo de prazer o resgate do olhar infantil que a releitura de suas obras nos provoca. Das suas fantásticas personagens que povoavam o universo utópico do Sítio do Picapau Amarelo,  não há como se esquecer da boneca Emília. Irreverente, teimosa, sabichona, inconformada a exemplo de seu criador. Por meio de suas tiradas, vamos nos apropriando das ideias de Lobato:” O segredo, meu filho, é um só: liberdade. Aqui não há coleiras. A maior desgraça do mundo é a coleira. E como há coleiras espalhadas no mundo.”, dizia a boneca com seu tom sempre professoral. Os livros libertam os homens, defendia o escritor.


Vale a pena reler a obra de Monteiro Lobato. Quantos ensinamentos e reflexões trazem as aventuras da Turma do Sítio. Memórias da Emília é um verdadeiro tratado de Filosofia. Com senso de humor sutil, mas afiado, suas palavras nos provocam, cutucam , incomodam. Deliciosamente. Conta que certo dia, Emília resolve escrever suas memórias. Convoca, mandona, o Visconde de Sabugosa para auxiliá-la.  A boneca decide explicar o significado da vida, palestrando ao Visconde, já impaciente com a demora.   Emília defende-se:

- Sei dizer coisas engraçadas e até filosóficas. (…) Sabe o que é um filósofo, Visconde?
O Visconde sabia, mas fingiu não saber. A boneca explicou:
- É um bichinho sujinho, caspento, que diz coisas elevadas que os outros julgam que entendem e ficam de olho parado, pensando, pensando, Cada vez que digo uma coisa filosófica, o olho de Dona Benta fica parado e ela pensa, pensa…
- Ficam pensando o quê, Emília?
- Pensando que entenderam.
O Visconde enrugou a testinha e quedou-se uns instantes de olho parado, pensando, pensando. Aquela explicação era positivamente filosófica.
- E como sou filósofa – continuou Emília – quero que minhas Memórias comecem com a minha filosofia de vida.
- Cuidado, Marquesa! Mil sábios já tentaram explicar a vida e se estreparam.
- Pois eu não me estreparei. A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem  para de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais.(…)
O Visconde ficou novamente pensativo, de olhos no teto.
Emília riu-se.
- Está vendo como é filosófica a minha idéia? O Senhor Visconde já está de olhos parados, erguidos para o forro.(…) A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca;pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim pisca pela última vez e morre.
- E depois que morre? – perguntou o Visconde.
- Depois que morre vira hipótese. É ou não é?”


Temos que concordar com Emília. E se há vida, não fechemos , então, nossos olhos.

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